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Ações judiciais

Rio Cidade São Clemente

Nº do Processo: MP - 12451/98 - MA 1547


Data do início: 23.09.98
Assunto: Exigência da troca de Esgoto no Projeto Rio Cidade São Clemente Humaitá

AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Excelentíssima Dra. Patrícia Silveira da Rosa
Promotora de Justiça
Coordenadora da Equipe de Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Cultural

A Associação de Moradores e Amigos de Botafogo-AMAB, cumprindo o seu objetivo primordial que é, o de lutar pela manutenção da qualidade de vida de seus moradores, vem à presença de Vossa Excelência, solicitar a instauração de Inquérito Civil Público, para apurar as denúncias de redução da qualidade de vida, e do patrimônio cultural e histórico que o Projeto Rio-Cidade São Clemente - Humaitá impingirá aos moradores desses dois bairros históricos da Zona Sul.

Representando os interesses da população residente nos bairros de Botafogo e Largo dos Leões-Humaitá, a Associação de Moradores e Amigos de Botafogo-AMAB e Síndicos de Edifícios do Largo dos Leões-Humaitá, em pleno exercício de cidadania vêm, por meio deste requerimento, manifestar a V. Exª o repúdio às medidas preconizadas pela Prefeitura através do Projeto Rio-Cidade II - São Clemente-Humaitá, por transgredirem princípios básicos do bem estar da coletividade e ferir direitos da população.
O Poder Público Municipal limitou-se a divulgar à população dos supracitados bairros, planos de obras absolutamente radicais, como sendo um Projeto já acabado, sem possibilidade de modificações, adaptações ou recursos. 
Como a "participação popular" é, segundo o Art. 426 da Lei Orgânica do Município, a base da realização da política urbana da Cidade do Rio de Janeiro. 
Invocamos: 
Art. 422 - "A política urbana, formulada e administrada no âmbito do processo de planejamento e em consonância com as demais políticas municipais, implementará o pleno atendimento das funções sociais da Cidade." e o
Art. 427 - "O Poder Público garantirá à população os meios de acesso ao conjunto de informações sobre a política urbana, como forma de controle sobre a responsabilidade de suas ações."
A AMAB, invoca o direito dessa população conhecer, questionar e, quando necessário, modificar o Projeto, antes que qualquer obra seja iniciada, e o de acompanhar a sua execução visto a ameaça de não cumprimento do conteúdo mínimo previsto no Art. 198 (Do programa de esgotamento sanitário) do Plano Diretor da Cidade e o grande impacto da mesma sobre o Patrimônio Histórico, Cultural e Paisagístico dos bairros, como também sobre o trânsito, já que as Rua São Clemente e Humaitá são as principais artérias viárias dos dois bairros.
A absoluta falta de consulta popular prévia, fez com que o Poder Público Municipal ignorasse frontalmente as necessidades e os anseios dos moradores dos referidos logradouros, conforme pôde ser constatado nas meras exposições do Projeto e, infelizmente, também agora na apresentação do Edital da Concorrência nº CO-06/98, anexo.

Arrolamos então, agora, as reivindicações das comunidades ao longo das Ruas São Clemente e Largo dos Leões-Humaitá:

1 - Praça Índio do Brasil:

- Sob a alegação de "falta de importância e nobreza" pretende-se desumanizar o tradicional recanto, hoje reservado ao lazer da 3ª Idade e transforma-lo em "área boêmia", com estrutura modular em concreto para divulgação de eventos que transmita uma impressão festiva. Essa transformação desfiguraria histórica e culturalmente esse espaço com perda de qualidade de vida para seus moradores e freqüentadores.

- O remanejamento do busto de João Pessoa, é desaprovado pela comunidade por representar absoluta falta de apreço à nossa memória histórica.

2 - Praça do Metrô:

- A construção de "disco de concreto em níveis e diâmetros variáveis que poderá ser utilizado para shows" é absolutamente repudiada pela população de Botafogo, já que não é a vocação desse bairro histórico e muito menos o anseio da comunidade. Sendo esse trecho da rua sabidamente um ponto de altíssimo índice de poluição sonora pelo fluxo de veículos, o acréscimo de arenas de espetáculos pelo Projeto Rio-Cidade, certamente contribuiria para tornar desumana e inqualificável a vida das famílias ali residentes. É de se ressaltar ainda, a dificuldade da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de exercer correta e efetiva fiscalização sobre os níveis de ruído na Cidade, o que reforça a imperiosidade de abandono da idéia de arenas de espetáculos em zonas residenciais.

3 - Praça 2:

- Queremos garantias de que a Administração Pública Municipal arcará com a manutenção dessa área. É inconcebível a Prefeitura imaginar que Colégios irão adotar e manter a praça, à luz da realidade de nossos dias. A população certamente acabará por ver mais e mais praças relegadas ao abandono e a degradação.

4 - Praça 3 e 4:

- Constitui-se em absoluto desrespeito ao dinheiro do contribuinte a idéia de construir paredes de concreto como disfarces para encobrir os tapumes do Canteiro de Obras do Metrô. Exigimos, representando os interesses dos contribuintes e também como contribuintes que somos, que nosso dinheiro seja usado de maneira mais responsável. E, como proposta, sugerimos a Prefeitura que levante a situação jurídica desse terreno e empenhe-se em permutar essa área com a Cia. do Metropolitano do Rio de Janeiro para que possa ser dado a esse espaço uma utilização racional e definitiva, visto que as obras do Metrô já terminaram, aqui em Botafogo.

5 - Desenhos das calçadas:

- Em defesa do nosso patrimônio arquitetônico, que seja preservado o desenho de formas orgânicas hoje em extinção, característico do modernismo carioca das décadas de 30 a 50, assim como todo o tecido urbano de mesmo estilo.

- Que seja preservado também o piso de pedra portuguesa, característico e marca registrada da própria Cidade, além de herança arquitetônica-cultural incontestável. Não faz sentido a sua substituição por outra pavimentação de qualidade inferior. A população tem no acerto do Projeto executado no Leblon o seu melhor exemplo e foi exatamente onde o uso da pedra aumentou em áreas, ao invés de diminuir.

6 - Praça Corumbá:

- Apesar deste Edital não apresentar em seu memorial descritivo nenhuma referência a construção de uma "arena para espetáculos" neste trecho, um desenho em perspectiva com este detalhe foi amplamente divulgado por órgãos da imprensa. Também aqui o acréscimo de arenas de espetáculos pelo Projeto Rio-Cidade, certamente contribuiria para tornar desumana e inqualificável a vida das famílias residentes nos edifícios que contornam a praça. É de ressaltar ainda, que a construção dessa arena na subida do Morro Santa Marta, corre o risco de ter esse espaço indevidamente utilizado para os ensaios da Escola de Samba São Clemente que se situa exatamente neste morro, aumentando consideravelmente a poluição sonora naquela área.

7 - Largo dos Leões:

- Estacionamentos, arena, poluição sonora com apresentação de pagodes, escolas de samba, forrós, bailes funks, entre outros, além de afronta às Leis do Silêncio e de Crimes Ambientais, são absolutamente incompatíveis com essa área residencial de sossego, já tradicionalmente conhecida pela sua paisagem, com inúmeras árvores de grande porte e antigas palmeiras. Verdadeira ilha da Natureza, a ambientação de tranqüilidade hoje reinante no local, traz muito bem à comunidade em meio ao paredão de concreto e o tráfego caótico da metrópole. Pelo Projeto, a Prefeitura pretende transformar jardins em áreas de estacionamento e ainda impingir uma arena de espetáculos. Ao invés de beneficiar a população, tal idéia contribuiria para o desconforto e a insegurança da comunidade desse recanto aprazível, devido à provável utilização indevida do local pela marginalidade e mendicância. Também para essa construção haveria o sacrifício de uma área que atualmente serve como parque de lazer e beneficia as crianças e as famílias do bairro.

- O Largo dos Leões, por suas características peculiares e paisagem ambiental, foi escolhido por seus moradores exatamente por ter na tranqüilidade um diferencial qualitativo em relação a outros bairros. Exerceram assim os moradores o seu direito de escolha no ato da compra dos imóveis, com base nessas características ambientais. Não seria justo, agora, ameaçá-los com uma grande desvalorização de seus patrimônios, por um simples capricho arquitetônico do Poder Público, decidido a executar obras que nada têm de essencial que justifique a sua aceitação pela comunidade, em nome de uma causa maior.

- Especificamente para os moradores do nº 140, o Projeto imprevidentemente cria embaraços ao direito de ir e vir das pessoas, pondo até em risco a vida de cerca de 700 cidadãos, em caso de emergência ou sinistro, já que estarão confinados a uma única e estreita saída que, por sua vez, desemboca no fluxo de carros do estacionamento previsto pelo Projeto.

Ante ao exposto, solicitamos ao Ministério Público, na pessoa de V. Exª que intervenha judicialmente em nome da população residente nos dois bairros, garantindo a revisão do Projeto Rio-Cidade São Clemente-Humaitá para que cumpra a sua "função social", levando em conta os anseios da comunidade, expressos nos itens supracitados.
Outrossim, que possamos conhecer o detalhamento do Projeto em plantas de execução, em escala 1:25. Que sejamos também convocados a opinar, em tempo hábil, sobre as modificações a serem feitas, a exemplo do que foi feito no Leblon, no Projeto Rio-Cidade I.
Embora reconheçamos o valor do Projeto Rio-Cidade como um todo para a nossa Cidade, expressamos a nossa desaprovação aos itens mencionados, bem quanto a outros (que porventura sigam a mesma linha de interferência paisagística-arquitetônica) que, por falta de conhecimento amplo do Projeto, não nos tenha sido possível destacar.
Como representantes dos cidadãos contribuintes, exercemos, por fim, o direito de, mais que apelar, exigir que, seja em que tempo for, a Administração Pública Municipal, antes de executar os aspectos de embelezamento da cidade faça, em primeira instância (convocando a CEDAE para uma intervenção conjunta em nome da função social exigida do Projeto), as obras de infra-estrutura básica de água e esgotamento sanitário e não somente as galerias pluviais - esse sim verdadeiro interesse da comunidade, para que na Rua São Clemente, em dias de fortes chuvas, não venha a ocorrer o que ainda hoje, apesar das obras, acontece com a vizinha Voluntários da Pátria.

Nestes termos,
Pede o deferimento.

Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1998.

Regina Lúcia Farias de Abreu Chiaradia
Associação de Moradores e Amigos de Botafogo-AMAB

Portaria nº 061/98

Considerando representação formulada pela ASSOCIAÇÃO DE MORADORES E AMIGOS DE BOTAFOGO-AMAB, denunciando redução da qualidade de vida e do patrimônio cultural e histórico que o projeto Rio-Cidade São Clemente-Humaitá impingirá aos moradores desses dois bairros histórico da Zona Sul.

INSTAURO,

ex vi do art. 8º parágrafo 1º, da Lei Federal 7.347/85, o presente Inquérito Civil a fim de apurar os fatos.

Autue-se. Após, registre-se em livro próprio.

1) Oficie-se à Secretaria Municipal de Urbanismo para que esclareça:

1.1 - Extensão da área abrangida pelo projeto, esclarecendo em que consiste;

1.2 - Comprovação da participação da comunidade diretamente afetada (moradores de Botafogo);

1.3 - Medidas que serão adotadas para a solução de problemas de esgotamento sanitário, crônico no bairro;

1.4 - Encaminhar estudo de trânsito e planta em escala 
1:25

Cumpra-se.

Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1998.

PATRÍCIA SILVEIRA DA ROSA
PROMOTORA DE JUSTIÇA
Coordenadora da Coordenadoria de Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Cultural

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